O pai e o alcoolismo
Desde muito cedo, eu sabia que meu pai era dependente químico, claro que não com toda essa clareza ,mas pela concepção de criança que tinha. Contavam que ele veio parar na capital, devido a uma beberagem junto ao seu padrão, que o debilitou e imobilizou por algum tempo. Mas aqui no sul, era comum ,o homem como ser macho e provedor da família podia beber, não era visto como uma doença nem visto como algo ruim, era uma forma de distração, sem calcular os riscos á família ,de tamanho hábito permissivo. As esposas se manteiam submissas as atrocidades dos maridos alcoolizados ou se rebelavam com discussões ,brigas e quebra quebra em casa. Mas tudo ficava entre quatro paredes, mesmo que os vizinhos soubessem do que ocorria ,permaneciam conivente com as atitudes machista que a sociedade impunha. Vi e vivenciei muitas destas brigas com meu pai alcoolizado. Por um determinado tempo, lembro de minha mãe pertencer a religião umbandistas, e a coisa que mais gostava ao acompanhá-la era comer as oferendas de balas e doces á Cosme e Damião. Meu pai não ficava nos festejos de inicio de ano na praia, ia para os bares ,onde havia snocker ,mulheres e música ,enquanto minha mãe fazia oferendas a Iemanjá .Ele costumava vir caindo dos botecos da vila, e era violento quando minha mãe reclamava de qualquer coisa, como falta de alimentos pra nós ou a falta de paciência com os filhos. Outra coisa que ele odiava era quando minha mãe se arrumava ou passava batom, ele a criticava ,dizia que ela queria aparecer, e como ela não era muito submissa ,a situação terminava em briga e quebra -quebra dentro de casa. O pai era muito bom servente, nunca faltava ao emprego, mas na saída do trabalho, principalmente as sextas-feiras ,ficava no bar até ficar sem dinheiro ou até voltar cambalhotando para perturbar o sossego de minha mãe. Minha mãe ,sempre foi muito amiga das vizinhas ,era sempre prestativa e tinha muitos afilhados, como "presente' de vizinha boa .Uma vez assaltaram ele no percurso até chegar em casa, e bateram muito nele, ele estava muito bêbado para reagir ou fugir, outra vez um carro o atropelou, ficou muito ruim, internado no hospital de pronto socorro, não tínhamos esperança de vida para ele. A mulher que o atropelou disse que ele ziguezagueava bêbado e surgiu do nada na frente do carro. Prometeu indenizar meu pai, pagar o seguro ,o iludiu e nunca mais a vimos ,minha mãe chegou a contatar um advogado, não sabemos se ela não pagou ou se o advogado que emboçou o valor, sumiram os dois ,o advogado e a atropeladora. Minha mãe tivera mais umas das "crises de nervos", e não tomou pé da situação. Tão logo minha mãe faleceu, meu pai teve dois acidente vascular cerebral isquêmicos, em ambos os casos assim que melhorava ,e ficava de pé passava a ser novamente frequentador assíduo do boteco. Meu pai possuía uma deficiência na perna, uma perna mais curta que a outra, devido a sequela que ficou no acidente ainda em Tupanciretã, isso fazia com que, nos meus momentos de fúria com ele ou após alguma surra ,por algum motivo eu o chamava de coxengo , sempre que bebia ficava menos equilibrado ainda. Um defeito de personalidade do pai, era que a medida que bebia ia provocando mulheres, machista como só ele, era abusado ,além de ser mulherengo.Uma vez um parque de diversões se instalou no bairro ,e meus pais decidiram nos levar lá, estava radiante, queria ver tudo, conhecer tudo com minha mãe junto. De repente ,nos damos conta da falta do pai, ao procurá-lo encontramos na roda gigante com outra mulher. Não teve desculpa, minha mãe ficou aguardando embaixo, quando parou a roda gigante, o pai saiu abaixo de tapas pra casa. Foi um fiasco! Além de tudo, nos finais de semana, havia jogatina ou nas casas de vizinhos ,em bares ou até mesmo na nossa casa, que fazia ele perder todo o dinheiro que havia conseguido pela semana de trabalho. Uma vez ele me apostou num jogo, e perdeu. E me tranquei no quarto , por que um amigo beberão queria namorar comigo ,eu teria sido "prometida pelo pai". Meu irmão chegou do quartel,interveio,e me levou pra morar com a tia, que acabou me criando na adolescência. O pai era um homem muito ruim, talvez como forma de se proteger ou pela revolta que tinha com tudo que havia acontecido com ele,exarcebava na violência que tratava a família e os animais de estimação .Para os vizinhos ,passava por um senhor bem quisto e trabalhador. Uma vez, meu irmão ,ajudando meu pai a passar pinche quente num parquê que ganhamos doado para casa, ocorreu uma desavença ,pois meu irmão não estava fazendo como meu pai gostaria que fizesse, sem pestanejar ,deu um tapa na panela de piche quente, virando no pé de meu irmão, o lesionando com uma queimadura de terceiro grau. Odiava quando nos chamava e nós não o atendia imediatamente. Uma vez ,eu brincava com nosso cachorro e não atendi ao seu chamado, quando dei por mim ele chegou agarrando as patas traseiras do meu pequinês, e batia a cabeça do bichinho no muro ,até sangrar pelos ouvidos, eu implorava pelo perdão, mas enquanto ele não o matou ele não parou e afinal não justificou o por quê de tamanha judiação. Ele mesmo enterrou no pátio, e apontando o local pra que eu não esquecesse o que acontece com quem não lhe dava importância. Jamais esquecerei também, quando no segundo grau ,o professor exigiu que os alunos fossem ao cinema assistir o filme: "Memórias do cárcere" ,pois haveria prova no dia seguinte sobre o filme. Ao pedir á meus pais para ir ,minha mãe prontamente concordou, e deu passagem,ingresso;mas chegando em casa bêbado meu pai não aceitou o desaforo, que filha dele não ia pra locais como esses ,como as vagabundas de rua. Minha mãe mandou eu ir, fiquei ouvindo a briga dos dois, em que meu irmão tentava apartar, até que meu pai forçava a gaveta das facas para matar minha mãe, mas não notava meu irmão segurando para que não abrisse a gaveta ,gritando pra mim ir de uma vez antes que o pai se revoltasse contra mim.Vi o filme arrependida, ao retornar parecia tudo calmo, mas ao olhar nos olhos de minha mãe e irmão ,tinha certeza que haviam apanhado, corri pro quarto ,de castigo, chorava culposa por ter provocado a ira do meu pai e fazer todos sofrer. Nunca mais falamos sobre isso, mas pra variar na prova, só respondi o suficiente pra não rodar de ano, tirando a média suficiente. Meus quinze anos ,minha mãe fez o possível para fazer festa.Infelizmente ,ela estava internada mais uma vez em um hospital psiquiátrico ,e recebeu uma autorização especial para "visitar" a casa ,e só assim, participar da minha festa de debutante, que como sempre ,tinha muita bebida e amigos bebâdos.Nunca ouvi de meu pai que me amava, pra ele ,eu e meu irmão erámos praga.Não havia demonstração de carinho, mas ele cansava de dizer, mesmo bêbado ,que tinha uma filha "muiê" pra cuidar dele quando ficasse velho. Ou seja, ele contava comigo,mesmo diante de tanto desamor na minha criação.
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