Eu me dei conta que tudo que aprendera no internato como :costurar ,tricotar, ter boas maneiras, posicionar os talheres na mesa ou até mesmo rezar ,não ajudariam a preparar sequer uma refeição decente. E os primeiros pratos foram horrorosos: arroz de tão cozido se tornou um creme que se tocasse na parede grudava, a massa espaguete de tão unida ,ficaram crua e dura no interior da massa ,o feijão queimou que nem com água tirava o gosto amargo do grão. A primeira galinha que tive que matar para nos alimentar ,saiu das minhas mãos com o pescoço caído ,e a íngua pra fora cacarejando como uma galinha muito louca em tempos de carnaval e o pior :bem viva. E após meu irmão matá-la ,não sabia encontrar os ossos para fazer o corte certo para elaborar um cardápio, separar seus órgãos e saber o que utilizar ,pra mim era uma incógnita. Apesar de saber que mexer com órgãos e sangue era uma coisa interessante a fazer. Enquanto meu pai me chamava de imprestável, meu irmão me estimulava a aprender e elogiava até a tentativa de "pão borracha" que comia ou a carne semicrua mas " bem temperada" com sal. Descobri que minha mãe costumava escrever suas receitas simples em cadernos ,e tinha alguns livros de culinária que foram minha salvação nesta época de descobrimentos . Meu pai ,recuperando a saúde mas com sequelas profundas de movimentação ,assim que se pôs de pé ,passou a utilizar a pensão que ganhava do INSS pela morte de minha mãe em grandes farras aos finais de semana ,com homens e mulheres beberrões ,que usufruíram ,inclusive ,o enxoval que ela guardava para usar quando conseguisse fazer a casa como sonhara. Não me dei conta que isto acontecia, pois estudava e me adaptava a minha nova realidade de fome ,miséria e promiscuidade que via na casa. Não concordava com que acontecia ,pois minha mente não processava o mal, por estar incutida de pensamentos católicos e ingênuos .
A escola ginasial escolhida por mim ,ficava próxima a minha escola anterior ,porém era pública .A matéria língua inglesa não existia ,o que eu lamentava .E também a matéria ensino religioso não era obrigatório ,o que eu dava graças .Tinha poucas colegas, falava muito pouco ,não era a melhor da escola ,sempre fazia a nota necessária para passar de ano ,tinha medo de meninos e temia que alguém soubesse como e onde eu vivia.
Meu pai não permitia fazer nada extra curricular ,tinha que chegar sempre no mesmo horário, senão ele gritava comigo ,e nos finais de semanas eu era quem servia as bebidas e comidas para as "visitas "dele. Limpava casa, lavava roupas, varria o pátio ,cuidava da plantação e dos animais que a cada dia diminuía ,pois faltava dinheiro para comprar alimentos e nós matávamos porcos ,galinhas até o dia que sobraram frutas e chás plantados. Já tinha dezesseis anos quando experimentei pela primeira vez álcool para passar a fome que sentia ,achei horrível ,mas fez o efeito que queria que fizesse. Não demorou muito para experimentar o cigarro mentolado e utilizá-lo de forma contínua ,meu pai não reclamou ,pois sabia que não era exemplo a ser seguido.
Na escola era "bacana "fumar no pátio, passei a ter mais amigos ,e me interessei mais nas atividades ,em concurso de contos e em fazer teatro ,amava jogar voleibol. Conheci o escritor Mário Quintana, após ganhar um vale fita cassete por um texto que fiz. Ele me convidou ,junto com outros colegas pra ir buscar no apartamento dele. Éramos em cinco, passamos a tarde comendo pipoca ,lendo ,e comentando seus livros, uma pessoa simples ,sem maldades, que ensinava a escrita como um sábio.
O meu irmão quando vinha do quartel, discutia com o pai, geralmente em relação a mim .O que quase nunca acabava bem para ele, pois o pai batia, e ameaçava matá-lo. Os dias se seguiam, nossa casa cada vez mais vazia, apesar de passar a receber aposentadoria, meu pai vendia o que podia ,para manter as bebidas e as jogatinas em casa. Sentia que aquele lugar era um antro ,um cabaré. Num domingo de muita cachaça e jogo de cartas ,meu pai havia perdido todo seu dinheiro, quando me agarrou pelo braço e gritou a todos homens presentes na mão, que me apostaria pra quem vencesse a próxima rodada. Eu apavorada ,gritei ,me soltei e xinguei todos ,alegando em procurar a policia ,o que não fazia diferença na época. Corri para meu quarto ,me tranquei com chave e aguardei meu irmão. Que assim que soube do ocorrido, pediu que fizesse minhas trouxas que me levaria pra algum lugar. Meu irmão apanhou muito naquela noite, mas também bateu no pai alcoolizado. Em um lençol enrolei minhas roupas ,pegamos o ônibus e fui parar na minha tia, com meu irmão pedindo por ajuda ,por medo do que poderia acontecer comigo se continuasse na casa. No dia seguinte, segundo meu irmão, nosso pai não se lembrava de nada.
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